Algo que envolve contar desde a sua infância e adolescência no interior mineiro, ao contato com a luta armada no Rio de Janeiro pós-64, ao exílio involuntário, à vida com Iolanda, sua médica, confidente, mulher, mãe de sua filha (e...), e à eterna e constante descoberta do corpo, do sexo, da literatura, da música, da arte. Entremeando tudo isso, a trama central envolvendo os três personagens e as reviravoltas em suas vidas.
Um narrar que é uma reflexão sobre o ato de narrar, trazendo ares de um metarromance em que o narrador/autor se vale larga e radicalmente da intertextualidade, da citação, da montagem para construir uma história que mais é uma ode à vida, explodida e vivida em suas últimas consequências, palavras e suspiros. O que coloca em evidência o verso-emblema de William Blake, quase um coprotagonista nesta obra: tudo que vive é sagrado; que, por sua vez, ecoa na conhecida fala de um personagem de Tennessee Williams: nada que é humano me enoja.
Intelectual de rara erudição, Mário
Alves Coutinho faz deste A explosão e o
suspiro um livro de livros, dos muitos livros dos quais extrai e remonta,
como num puzzle, fragmentos de frases de vários autores, que se casam à
perfeição e edificam seu romance. É um texto formado por pensatas que se
imbricam como fotogramas a serem montados num raccord cinematográfico. E editadas com a habilidade de um ourives,
de um meticuloso artesão de preciosas minúcias que brilham a cada virar de
página. Pleno de colagens, citações, intertextualidades, o romance é dedicado,
não por acaso, a Jean-Luc Godard, “cineasta-citação”, que constrói seus filmes
em permanente e exuberante diálogo com autores literários e cinematográficos.
“Mas o que será exatamente, então, este relato, esta narração? Uma carta? Uma confissão? Um testamento? Um diário? Biografia? Memória? Talvez tudo isso ao mesmo tempo, e tudo isso ao mesmo tempo não seria um romance?”, diz o autor. O que me leva ao romancista Rosário Fusco: “Romance, para mim, é gênero danado e, pois, maior, o maior. Você pode ler A imitação e não se santificar. Pode praticar, digamos, Aristóteles, e não se tornar filósofo. Mas se ler Madame Bovary, por exemplo, será fatalmente modificado, perdido: irremediavelmente.”
“Mas o que será exatamente, então, este relato, esta narração? Uma carta? Uma confissão? Um testamento? Um diário? Biografia? Memória? Talvez tudo isso ao mesmo tempo, e tudo isso ao mesmo tempo não seria um romance?”, diz o autor. O que me leva ao romancista Rosário Fusco: “Romance, para mim, é gênero danado e, pois, maior, o maior. Você pode ler A imitação e não se santificar. Pode praticar, digamos, Aristóteles, e não se tornar filósofo. Mas se ler Madame Bovary, por exemplo, será fatalmente modificado, perdido: irremediavelmente.”
Sob a torrente de citações que flutuam e
impulsionam o texto transcorre uma trama bem alinhavada que nos leva da
infância e adolescência em Minas Gerais de Eduardo, o personagem-narrador, ao
Rio pós-64, ao contato com grupos de resistência e ingresso na luta armada. Ferido
num assalto a banco, e cuidado pela médica e companheira Iolanda – personagem
de forte presença em todo o desenrolar da narrativa –, eles escapam para o
Chile e dali para a Austrália, pouco antes da queda de Allende, para o exílio
forçado/involuntário. Em Sydney, nasce a filha dos dois, Antônia, a quem é
dirigida a narrativa de Eduardo. Permeando tudo isso, belos momentos de um erotismo
exacerbado e a presença da consciência política dos dois personagens, a atenção
sempre voltada para as oscilações sociais não só dos países por onde passaram,
mas do sufocante zeitgeist que compõe
o seu mundo e o tempo em que lhes foi dado viver.
Tradutor de primeira linha, Coutinho
coloca em português, logo na abertura de seu romance, a citação do poema East Coker de Eliot (“Em meu princípio está
meu fim”). E, um pouco como no Finnegans
Wake de Joyce, termina com a citação inicial, como num eterno retorno, que
logo dá lugar a outro dos versos de Eliot, fechando/abrindo o livro: “Desta
maneira termina o mundo/ Não com uma explosão, mas com um suspiro.” O que
remete a “em meu fim está meu princípio”, pois “explosão e suspiro” são
palavras-chave que nos levam a um dos títulos do romance.
O outro título, Um corpo que cai, se nos conduz a um dos fragmentos da selva oscura de Dante (citado em uma das
epígrafes: “e/ caí/ como/ corpo/ morto/ cai”), nos leva também a Vertigo/Um corpo que cai, pois em uma de suas reviravoltas a trama do
romance apresenta fortes semelhanças com o filme de Hitchcock. Literatura e
cinema parecem seguir sempre em paralelo no universo criativo de Coutinho.
Fragmentos, citações de autores de
variada estirpe constroem este romance. São textos aparentemente à deriva, mas
que se encaixam na trama por meio de hábil e meticulosa montagem –
transformando a leitura num carrossel de descobertas de intenso fascínio. Cabe
ao leitor entrar nesse jogo e desvendar ou não a origem, os autores do extenso
rol de referências que permeiam o livro. E se empolgar com a trágica beleza da
história, narrada de forma magistral por Mário Alves Coutinho.
Texto de orelha do livro por Ronaldo Werneck
poeta, crítico, escritor
*******
Título: A explosão e o suspiro ou um corpo que cai
Autor: Mário Alves Coutinho
Editora: Tipografia Musical – Série Outras Grafias
ISBN: 978-85-68951-01-9
Formato: 15,5 x 22,7 cm
Páginas: 280
Preço capa: R$ 54,00
Disponível em nosso site, e em breve nas melhores livrarias: www.tipografiamusical.com.br
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