terça-feira, 15 de março de 2016

Uma colagem de referências que casa cinema e literatura

Mário Alves Coutinho lança romance “A Explosão e o Suspiro ou um Corpo que Cai” hoje na Quixote

H-A
Estreia. Crítico de cinema e ensaísta, Mário Alves Coutinho estreia no romance com “A Explosão e o Suspiro”

PUBLICADO EM O TEMPO - 12/03/16 - 03h00
Daniel Oliveira


 Mário Alves Coutinho começou a escrever o que viria a ser o romance “A Explosão e o Suspiro ou um Corpo que Cai” duas vezes, para desistir logo em seguida. A autocrítica era alta porque o que ele queria fazer não era simples. “Assim como ‘Ulisses’ é uma tentativa de releitura da ‘Odisseia’, meu romance, modestamente, é uma tentativa de releitura do ‘Édipo Rei’. E enquanto eu tentei interpretar ou fugir demais da linha do original, não fiquei satisfeito”, explica o autor.
Foi só em 2011 que ele encontrou essa essência básica da peça de Sófocles e escreveu, por um ano, o primeiro tratamento do livro que ele lança hoje, às 11h, na livraria Quixote. Seriam ainda mais três anos reescrevendo a história de Eduardo, que conta para a filha Antônia sua história na guerrilha durante a ditadura, e no exílio no Chile e na Austrália, ao lado da mãe dela, Iolanda.
Mudanças e transformações, no entanto, não são algo estranho a “A Explosão e o Suspiro”. O projeto começou como um roteiro, escrito por Coutinho anos atrás, inspirado na história real de uma mineira que ingressou na guerrilha junto com os dois filhos. “Eu fantasiei um pouco, criei um marido esperando por ela, mas já sabia que queria transformar aquilo em um romance. E foi só quando mudei um pouco o foco da história que consegui fazer isso”, revela.
E “Édipo Rei” não foi a única referência que o escritor usou nessa adaptação. Na apresentação de “A Explosão e o Suspiro”, o crítico e poeta Ronaldo Werneck define a obra como “uma colagem de livros e referências (...) formada por pensatas que se imbricam como fotogramas a serem montados num raccord cinematográfico”.
“Se a base do livro é o ‘Édipo Rei’, as citações servem como o coro da tragédia grega, comentando a ação e conectando o que acontece com a cultura e a sociedade em volta”, define Coutinho. A obra, não por acaso, é dedicada ao cineasta Jean-Luc Godard, que o autor pesquisou em seu doutorado, e que ficou eternizado ao realizar esse mesmo tipo de colagem de citações e referências no cinema.
“O livro é uma tentativa de fazer no romance o que o Godard faz no cinema dele”, admite o autor, que já escreveu três livros sobre o diretor francês. Além dele, “A Explosão e o Suspiro” é dedicado ao crítico André Bazin, que terá vários de seus ensaios publicados no Brasil em abril, pela editora Autêntica, com tradução do próprio Mário Alves Coutinho.
A referência mais clara do romance, no entanto, é explicitada pelo autor no próprio título. Assim como o clássico filme “Um Corpo que Cai”, de Alfred Hitchcock, Coutinho admite que seu livro é, de certa forma, a história de um homem tentando construir, ou reconstruir, uma mulher. “Se Bazin e Godard me ensinaram como misturar realidade e ficção, o Hitchcock entra com a capacidade dele de estabelecer climas diferentes para diferentes momentos de suas obras”, explica.
Para Coutinho, esse grande passeio pelo cinema não faz de “A Explosão e o Suspiro” menos literário, ou menos romance – pelo contrário. “O romance não é um gênero fechado, puro. O meu, às vezes, é ensaístico. Para mim, o romance é uma mistura da literatura com o cinema”, define.
Agenda
O quê. Lançamento “A Explosão e O Suspiro ou um Corpo que Cai” (ed. Outras Grafias, 280 págs., R$ 54)
Quando. Hoje, às 11h
Onde. Livraria Quixote (rua Fernandes Tourinho, 274, Savassi)

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Narrativa mistura memória e thriller


Mário Alves Coutinho lança hoje 'A explosão e o suspiro'

Primeiro romance do autor é repleto de referências à sua geração




André Di Bernardi Batista Mendes - Estado de Minas - Publicação:12/03/2016 08:00

 O mineiro Mário Alves Coutinho acaba de lançar, pela Série Outras Grafias, da Editora Tipografia Musical, seu primeiro romance, A explosão e o suspiro ou um corpo que cai. Graduado em psicologia, doutor em literatura comparada, com pós-doutorado na UFMG, Coutinho, que nasceu em Campo Belo, faz valer sua formação e utiliza uma extensa erudição para construir um romance correto, repleto de idas e vindas, lacunas, abismos, um romance feito de teias que se cruzam, um romance escrito sem pedantismo, mas com uma linguagem peculiar, cheia de melodia, longe do exagero e da verborragia.

O leitor é fisgado para dentro da história de Eduardo, o personagem-narrador. Em poucas palavras, o livro conta as peripécias de um tradutor literário, nos seus últimos dias de vida, que tem algo de muito importante para revelar à filha, Antônia, sua interlocutora. Mário Alves mostra essa trajetória e monta uma trama muito bem alivanhada desde a infância e a adolescência de nosso “herói” em Minas Gerais até o Rio pós-64, passando pelo contato com grupos de resistência e a luta armada. Ferido num assalto e cuidado por sua companheira Iolanda, ele vai para o Chile e, dali, para a Austrália, pouco antes da queda do presidente socialista Salvador Allende. Ali nasce Antônia.

FRAGMENTOS Juntando fragmentos de frases de vários autores, pleno de colagens e citações, Mário Alves constrói um mosaico repleto de intertextualidade, tendo a imagem como fonte e referência constantes. Não por acaso, o livro é dedicado a Jean-Luc Godard. Vale lembrar: Mário Alves Coutinho também é crítico e ensaísta de cinema. “Mas o que será exatamente, então, este relato, esta narração? Uma carta? Uma confissão? Um testamento? Um diário? Biografia? Memória? Talvez tudo isso ao mesmo tempo, e tudo isso ao mesmo tempo não seria um romance?”, pondera, num dado momento, o narrador do livro.

Mário Alves também não deixa de lado um tanto de ousadia, tudo na medida certa, quando, ao longo das veredas propostas, inclui ali um toque sutil, apimentando a trama com boas doses e belos momentos de um erotismo forte. “O livro trata de um momento crucial da história brasileira: a luta armada contra a ditadura militar, na década de 1960. Um homem e uma mulher ficam fechados num aparelho, sem comunicação com o mundo. Acontece o que sempre se pode prever numa situação como essa. Eles têm que se exilar em outro país: primeiro é o Chile, depois, a Austrália. Um pouco da história do Brasil e do mundo desfila diante de nossos olhos. Resumindo: trata-se de uma tentativa de releitura, num romance moderno, das Tragédias do ciclo tebano, de Sófocles”, ele explica.

O autor fala também sobre os caminhos dessa história. “O que me levou a escrever esse romance foi um roteiro cinematográfico que escrevi alguns anos atrás. O roteiro havia sido escrito a partir do que os franceses chamam fait divers, isto é, uma notícia de jornal (mãe que havia entrado na guerrilha urbana com dois filhos). Mudei razoavelmente a história original, realmente acontecida, assim como transformei o roteiro extensamente. Desde o momento em que comecei a escrever o roteiro, sabia que faria o romance. Passaram-se muitos anos, mas realmente o escrevi”, finaliza.

A EXPLOSÃO E O SUSPIRO OU UM CORPO QUE CAI
• De Mário Alves Coutinho
• Editora ETM, 280 páginas, R$ 54
• Lançamento: Hoje, a partir das 11h, na Livraria Quixote (Rua Fernandes Tourinho, 274, Savassi, 3227-3077)