Entrevista
concedida a André Di Bernardi, do jornal Estado de Minas, sobre o romance “A
explosão e o suspiro ou um corpo que cai”.
1) "Narrar exige o risco".
Este alerta aparece já na apresentação do seu livro. A que tipo de perigos fica
exposto o escritor quando se depara com a página em branco?
O maior risco
de um escritor diante de uma página em branco é a invenção. Ou o silêncio. Mas
se ele quer se expressar, tem de enfrentar o perigo: criar personagens,
situações, tramas, diálogos que, por mais que alguns queiram, não é a
realidade, mas fabulação. E o autor é responsável por cada palavra, ação,
acidente ou incidente que escreve e descreve: quer perigo (ou risco) maior?
2) Qual é a história do livro? Fale um
pouco sobre o processo de construção do enredo do livro. Fale um pouco sobre o
processo criativo.
O livro trata
de um momento crucial da história brasileira: a luta armada contra a ditadura
militar, na década de sessenta. Um homem e uma mulher ficam fechados num
"aparelho", sem comunicação com o mundo. Acontece o que sempre se
pode prever numa situação como essa. Eles têm que se exilar, em outro país:
primeiro é o Chile, depois a Austrália. Um pouco da história do Brasil e do
mundo desfila diante de nossos olhos. Resumindo: trata-se de uma tentativa de
releitura, num romance moderno, das "Tragédias do Ciclo Tebano", de
Sófocles ("Édipo Rei" é uma das peças deste ciclo). O que me levou a
escrever este romance foi um roteiro cinematográfico que escrevi alguns anos
atrás: o roteiro havia sido escrito a partir do que os franceses chamam
"fait divers", isto é, uma notícia de jornal (mãe que havia entrado
na guerrilha urbana com dois filhos). Mudei razoavelmente a história original,
realmente acontecida, assim como transformei o roteiro extensamente, quando
quis escrever o romance (desde o momento que comecei a escrever o roteiro, sabia
que faria o romance. Passaram-se muitos anos, mas realmente o escrevi). Cada
estrutura narrativa (matéria de jornal, roteiro, romance) pede uma nova
estrutura, uma nova linguagem, uma nova maneira de contar. Adequar o que estava
tentando fazer à linguagem literária (romanesca) foi todo meu esforço durante o
tempo que levei para escrever este romance.
3) Em quanto tempo o livro ficou
pronto?
Levei mais ou
menos um ano para escrevê-lo. E quatro para revisá-lo inúmeras e inúmeras
vezes...
4) Qual foi, ou quais foram suas
maiores dificuldades para escrever o livro?
Muito cedo na
feitura deste livro, ficou claro que eu queria escrever uma versão moderna das
"Tragédias do Ciclo Tebano", de Sófocles. A maior dificuldade que
enfrentei, então, foi adequar essa intenção e objetivo com o enredo que eu
estava "criando, e atualizando". Outra dificuldade que tive foi ao
escrever o final do romance. Mas essa dificuldade foi vencida com uma certa
dose de inventividade: a partir de um determinado momento, decidi que o romance
teria dois finais, e que o leitor escolheria aquele que preferisse (até mesmo
podendo inventar outro, caso sentisse essa necessidade).
5) Também está na apresentação da
obra: o livro é "um narrar que é uma reflexão sobre o ato de narrar,
trazendo ares de um metarromance em que o narrador/autor se vale larga e
radicalmente da intertextualidade, da citação, da montagem para construir uma
história que mais é uma ode à vida". Por favor, fale um pouco sobre
isso.
A arte moderna
(romance, cinema, poesia) é quase sempre metanarrativa. Estamos quase sempre
lendo (ou vendo) obras que descrevem como foram feitas, como foram imaginadas,
como foram desejadas... Não é de se espantar, portanto, que neste quadro, eu
tenha procurado refletir sobre o que exatamente estava fazendo, ou melhor, o
que o personagem-narrador do livro queria fazer. Ao discutir isso ele está se
justificando, mas ao mesmo tempo, tentando se inserir numa tradição... Tudo que
escrevo, afirma a vida, mesmo na tragédia, principalmente na tragédia... Isso
aprendi com os gregos, com Nietzsche, William Blake e D. H. Lawrence.
6) No livro existem inúmeras citações,
fragmentos de frases de vários autores. Como funciona para você, na obra, este
diálogo constante com outros autores. Qual a importância deles para o
entendimento do livro?
Aprendi com
Jean-Luc Godard como citar toda a cultura moderna (não somente a literatura) e
apesar disso, fazer um texto seu, totalmente seu. Todo livro é a reação a um
outro livro, a não ser o primeiro livro, que ninguém sabe qual é. Vários
escritores afirmaram: a literatura é um feito da linguagem, nunca a realização
de algum nome individual e autárquico. Assim, quando numa passagem, num
diálogo, num acontecimento do romance eu chegava perto de uma frase de um outro
autor, de um verso, ou outro qualquer texto, não tive pudor: citei este autor.
Dessa maneira, dialoguei com várias obras e autores; por isso, acredito que meu
romance foi criado a várias vozes: não somente com a minha, mas com a
colaboração da História da Literatura, ou parte dela. Entender isso é essencial
para a compreensão do meu romance. Dessa maneira, esses vários autores como que
compõem um coro, exatamente como na tragédia grega: essas vozes como que comentam,
poetizam, e relançam a ação para outros caminhos...
7) Narração, carta, confissão,
testamento, diário, biografia e memória. Ao lermos o livro tudo isso se
mistura, aparece e desaparece num véu, numa trama muito bem construída. Fale
sobre esse processo.
O romance é um
gênero todo-poderoso exatamente por causa disto: ele pode ser tudo isto, e
muito mais: poesia, prosa, ensaio, música... Resumindo: ele não é um gênero
puro, mas o exato contrário: impuro e todo misturado por escolha e
autodefinição. Daí sua enorme capacidade de síntese e suas quase infinitas
possibilidades de expressão
8) No texto surgem nomes da alta
literatura, como Jorge Luis Borges, Valéry, Deleuze, Mallarmé, Shakespeare,
Octavio Paz, entre muitos, muitos outros. Sei que o leque de autores que fazem
parte de seu universo é extenso, mas, você poderia citar alguns nomes que
realmente influenciaram na sua literatura?
Além dos que
você citou, Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Graciliano Ramos, Stendhal,
Jean-Luc Godard, Hitchcock, William Bake, D. H. Lawrence, Georges Bataille,
Kenji Mizoguchi, T. S. Eliot, Rainer Maria Rilke, Sófocles, Nietzsche, Julio
Cortázar, James Joyce, Slavoj Zizek, Gustave Courbet e muitos, muitos outros...
9) O livro, que já no título faz
alusão a Alfred Hitchcock, é dedicado a André Bazin e Jean-Luc Godard. Em que
medida o cinema o influenciou na trajetória, no enredo, na elaboração do
livro?
Sou responsável
por três livros sobre Jean-Luc Godard (e participei de um quarto); traduzi um
livro de André Bazin, que sairá em breve, no próximo mês, provavelmente, pela
Editora Autêntica; escrevi muito sobre Hitchcock em jornais e revistas, e meu
próximo livro, depois das traduções de Bazin, será sobre ele (o livro já está
pronto). Como você pode ver, seria difícil eles não estarem no meu romance.
Como? Resumidamente, Godard e Bazin me ensinaram a articular a descrição da
realidade com a invenção. E Hitchcock teve particular importância quando se
tratou de construir um clima para o meu romance. Além de contribuir para a
criação de uma cena muito importante, que convido o leitor a descobrir...
10) Fale um pouco sobre a experiência
de ter publicado este primeiro romance.
Já havia
escrito alguns roteiros cinematográficos (filmados); portanto a linguagem da
ficção não era estranha para mim. Mas o romance é uma outra linguagem, uma
outra forma, que tive que aprender enquanto escrevia. Para isso, me valeu minha
enorme experiência de leitura: acho que desde os nove anos leio este formato
tão includente, o romance. Ao final e ao cabo, uma aprendizagem muito difícil,
mas extremamente prazerosa.
11) Quais são seus projetos para o
futuro na área da literatura?
Ainda não parei para examinar esse problema. Mas quase que certamente tentarei escrever o destino de um dos personagem deste romance...
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